Capítulo 08 - Medo


Lícia.

Meu dia na biblioteca não foi muito produtivo. Encontrei o nome Mist em várias reportagens, mas todos aqueles jornalistas sabiam tanto quanto eu. Além disso, aquele encontro com aquela moça, ainda sem nome, mexeu com a minha cabeça. Eu não sabia quem ela era, seu nome ou endereço, mas sabia que ela tinha a boca que mais desejei até hoje. Nosso encontro teve impacto, e pude perceber que ela era, no mínimo, misteriosa. Aquilo me intrigava.

Cheguei em casa, comi alguma coisa, tomei um banho bem demorado e fiquei pensando. Onde estaria Mist uma hora dessas?

Fechei os olhos e permaneci naquele estado semiconsciente, onde eu não estava realmente dormindo, mas também não estava acordada.  Em minha mente, embaralhada, passavam imagens dos vários jornais lidos naquele dia e do rosto tão marcante daquela moça.

Os boatos eram variados, cada um descrevia Mist de um jeito. Os lugares onde ela fora vista eram ainda mais diversificados. Ela tinha um passaporte e tanto, passeando por toda a Europa. Onde eu encontraria uma mulher que poderia estar em qualquer lugar? Aquela pergunta se repetia mais uma vez em minha cabeça.

Acho que adormeci, porque tive algum tipo de sonho onde eu entrava em uma busca implacável atrás de Mist. Eu corria atrás dela, como um cachorro corre atrás de um gato, mas ela, assim como gato, era muito esperta. Eu não queria apenas pegá-la, eu queria agarrá-la. Literalmente. Tudo acontecia como um borrão, e no meio daquele labirinto de ruas e paredes, ela ficou sem saída.

Lá estava ela, parada, indefesa, olhando para os lados procurando algum lugar para escapar. Mas não havia nenhum. Caminhei até ela, lentamente, observando suas formas e contornos, cada vez mais de perto. Me aproximei o suficiente para puxar fora a máscara que cobria sua face. O que eu não esperava era reconhecer aqueles olhos que me encaravam de volta.

A moça da biblioteca. A mulher sem nome.

Ela era Mist, ou, em minha mente lunática, elas haviam se transformado em uma só.

Apesar do susto, aproximei meu rosto ainda mais perto do seu. Eu queria Mist em minhas mãos. E queria ainda mais a boca daquela mulher na minha. Assim que cheguei perto o suficiente para olhar dentro dos seus olhos, eu estremeci. De desejo e vontade. Ela não se moveu, muito menos tentou fugir dos meus braços. Nossa respiração ficou próxima demais para escapar, e nossos rostos estavam demasiadamente colados. Senti a pontinha dos seus lábios encostando aos meus e com a respiração mais acelerada que um maratonista de olimpíadas, eu acordei.

Abri os olhos assustada. Mirei o teto do meu quarto, dividida entre raiva e alivio. Eu estava enlouquecendo! Como Mist e a mulher sem nome haviam se tornado uma só pessoa em meus sonhos?

Ergui o corpo na cama e fiquei lá, encarando meu quarto, me localizando.

Suspirei de pesar por não ter concluído o beijo e decidi que ficar rolando na cama não era uma boa ideia. Eu não voltaria a dormir agora, de qualquer maneira. Olhei meu computador em cima da mesa cheio de notícias sobre Mist e fechei a tela. Naquela noite, eu estava de saco cheio dela.

Eu nunca tinha misturado vida pessoal com profissional antes, e o gosto daquela experiência não me pareceu agradável. Decidi levantar e tomar um copo de leite ou qualquer coisa que tivesse de fácil acesso na geladeira. Vesti uma calça de moleton cinza e uma blusa. Andando devagar pela casa, escutei um barulho vindo do quarto da minha mãe. Como se ela tivesse esbarrado em alguma coisa. Corri em sua direção. Para o meu desespero, minha mãe estava encolhida no chão se contorcendo de dor. Mais que rapidamente a levantei do chão, colocando-a em meu colo.

-- Mãe! O que aconteceu?

Mas ela estava com dificuldade de falar. Esperei que ela se acalmasse, lhe dei um copo d’água e alisei seus cabelos.

-- Dor... Só um pouco de dor.

Disse ela com dificuldade.

-- “Só” um pouco, mãe? – Disse irônica. Ela apenas assentiu com a cabeça.

-- Não se preocupe.

-- Preocupo sim! Você tomou o remédio?

Ela abaixou a cabeça. Não precisou dizer mais nada! Eu já imaginei a resposta!

-- Por que não tomou, mãe?

Disse levantando e procurando as caixas.

-- Está acabando e eu não queria que você gastasse mais do seu dinheiro comigo!

-- Mãe, eu te amo muito, mas você está começando a me deixar nervosa! Não entendeu ainda que somos apenas nós duas? Prefere economizar dinheiro e me deixar aqui? Sozinha?

Eu estava revoltando enquanto falava e procurava os remédios.

-- Desculpa!

-- Quem vai preparar sanduíche para mim? Quem vai me encher o saco? Ein...

Disse sem escutar o que ela dizia. Achei os remédios, peguei o copo com água ao lado da sua cama e fiquei em sua frente, batendo um pé no chão de nervoso e os braços cruzados. Ela me encarou, tentou fazer cara feia e eu fechei a cara mais ainda. Acho que ela se deu por vencida, porque pegou os remédios e os engoliu de uma vez só.

-- Ótimo... Mocinha! Agora vamos deitar... Vou ficar aqui com você!

Minha mãe não disse nada. Apenas se deitou ao meu lado e me abraçou, ainda tremendo, talvez pelo susto. Aquilo me tocou profundamente e meu coração despedaçou um pouco mais no peito. Fiquei alisando seus cabelos e fazendo carinho até ela adormecer em meus braços.

Eu precisava esquecer aquela moça sem nome e me concentrar de verdade em encontrar Mist. Quase pegando no sono, sem tanta merda na cabeça depois do susto com minha mãe e bem mais motivada, decidi que na noite seguinte eu sairia nas ruas e procuraria cada sombra dessa cidade. Até encontrar quem eu procurava.

Anita.

Acordei tarde, pois depois daquele sonho idiota eu tinha demorado a pegar no sono novamente. Eu nunca nem tinha sentido isso antes, porque sentiria agora por uma mulherzinha bancando a detetive?
Arrumei meu café da manhã, quase almoço e me sentei para comer na varanda que tinha no meu apartamento. A brisa causava arrepios na minha pele e as nuvens estavam pesadas no céu. O inverno não tardaria a chegar. Com a estação sempre vinha o natal, pensei com pesar. Família, amor, carinho e presentes. Eu odiava o natal. A última lembrança que tenho de um natal feliz era de quando meus pais estavam vivos, e isso sempre me causava uma dor enorme por saber que nunca mais eu os teria naquela data. E eu nenhuma outra data.

Meu olhar já estava perdido no horizonte e eu estava levando um pedaço de pão na boca, quando o interfone tocou. Parei o pão na metade do caminho entre a boca e a mesa, me perguntando quem seria, uma vez que ninguém sabia meu endereço. Enrijeci e estremeci. Será que era ela? Ela tinha me seguido? Me encontrado? Levantei rapidamente, assustada. Prendi a respiração e continuei caminhando pé por pé até a porta. Dei uma espiada através do olho mágico e, com alivio, soltei todo o ar preso nos meus pulmões.

-- Droga! É você!

John estava parado na porta com uma sacola nas mãos e um sorriso no rosto. Todo de preto, como sempre, com aqueles cabelos rebeldes, espetados e negros, em um contraste perfeito com sua cor de pele branca como a neve que devia estar para cair a qualquer momento lá fora.

-- Nossa! Oi para você também. – Disse ele entrando.

-- Oi... – Disse saindo do caminho. Ele me encarou desconfiado.

-- Por que todo esse medo, Ani? Nunca te vi tão pálida assim.

-- Nada! Não esperava que fosse você... – Disse suspirando.

-- Pensou que fosse quem? – Disse ele curioso tirando o pesado casaco.

-- Ah... – Na minha cabeça o sonho voltou forte e intenso. “Lícia, a detetive” foi o que quase saiu da minha boca, mas dizer aquilo em voz alta já era loucura demais.

-- Ninguém...

-- Ani, o que foi? – Disse chegando mais perto colocando as mãos em meu ombro. Ele me encarou profundamente.

-- Nada! – Disse desvencilhando de seus braços.

-- Você está com olheiras...

-- Não estou não! – Mas eu sabia que ele estava falando a verdade.

-- E você está estranha... – Ele me encarou minimamente por uns dois segundos. – Você está tensa?

-- Eu? Tensa? – Comecei a rir.

-- Sabia!

-- Te odeio, moleque! – Disse fuzilando ele com os olhos. – Você não devia estar em Paris?

-- Já se passaram duas semanas, irmãzinha, desde que eu fui. Não sentiu minha falta?

Poxa! Duas semanas que eu estava afundada em pesquisas, tanto que mal vi o tempo passar. Ele olhou bem para mim e completou.

-- Não... Você está com muita coisa na cabeça para se lembrar do seu querido irmãozinho aqui. Mas, eu, como um cara bacana, te trouxe um presentinho. Está dentro da sacola. Você olha depois.

Ele caminhou rumo ao lugar no qual eu tomava meu café da manhã antes da sua interrupção e se sentou em uma das cadeiras. Dei uma espiada na sacola, mas não abri. Sempre ficava desconcertada com presentes.

Sentei me ao seu lado. Peguei o pedaço de pão que fui impedida de comer minutos atrás e levei a boca, dando uma bela mordida. Eu estava com fome.

-- Você me parece mais bonito...

Disso o observando comer.

-- Estou feliz e apaixonado... Não enche.

Sorrimos juntos.

-- Isso é bom! Como foi a viagem?

-- Ótima! Fiz amor à noite toda e de dia visitei alguns lugares super-românticos...

-- Me parece uma excelente programação.

-- E a sua aqui?

Eu me remexi na cadeira. Ontem à noite eu estava ansiosa para falar com John sobre tudo. No entanto, hoje, eu estava receosa de falar qualquer coisa. Ele colocou sua mão sobre a minha e disse:

-- Sei que alguma coisa aconteceu. Não adianta tentar me enganar.

Suspirei e abaixei a cabeça.

-- Você estava certo...

-- Sobre?

-- Colocaram aquela detetive estranha atrás de mim.

Ele arregalou os olhos.

-- Como você sabe disso?

-- Ah... Eu estava na biblioteca, pesquisando sobre a máfia, e ela se sentou ao meu lado. Em um descuido, ela se esbarrou em mim e derrubou minhas coisas no chão. Quando fui pegar os papeis dei uma olhada rápida na manchete e percebi que ela estava fazendo pesquisas sobre Mist. Perguntei como quem não quer nada se ela era meteorologista, e ela me contou que estava atrás de uma ladra.
Ele ainda me encarava assustado.

-- E ai? – Perguntou ele ansioso.

-- E ai o que? – Tentei mostrar descaso.

-- Foi só isso?

-- Sim!

-- Mas ela sabe quem você é?

-- Não! – Disse rápido demais. Ele ergueu uma sobrancelha. – Bom, não houve apresentações. Eu só sabia quem ela era porque a vi na pesquisa que fiz. Não falei meu nome e nem nada. Só a desejei boa sorte e sai do local.

-- Então ela não sabe quem você é?

-- Não. Mas eu sei quem ela é...

-- E o que você sabe?

-- Sei... – Mas o que eu sabia? – Sei que ela resolveu alguns casos. Que saiu da polícia porque não suportava a corrupção lá dentro, que vive com a mãe e que tem uma jaqueta de couro horrível.

Quase cuspi as palavras fora.

-- Tem algo mais ai, Anita. Sei que tem.

-- Não tem mais nada! Vou mandar uma jaqueta melhor e muito mais bonita para ela, assim que ela desistir do caso e nunca mais se meter comigo. É sério, ela vai acabar morrendo de frio nesse inverno se não trocar aquela porcaria...

Sem me dar conta, eu estava ‘‘esfaqueando’’ a manteiga. Só percebi quando John segurou minhas mãos, me impedindo de matar a sangue frio a pobre coitada da manteiga.

-- Você se importa com isso?

-- Ela não sabe quem eu sou... Não pode me pegar.

-- Não é só isso! Você se importa que ela congele de frio...

-- Não me importo não! Tá louco? – Disse levantando bruscamente da mesa.

-- Então por que está tão nervosa?

Encostei-me ao parapeito do prédio e apertei a barra de ferro onde minhas mãos pousaram.

-- Sonhei com ela noite passada...

-- Sonhou o que?

Eu nunca contaria o sonho inteiro! Eu não estava tão louca ainda. Mas, agora, relembrando meu devaneio, me senti ficar quente em contraste com a brisa gelada que batia em meu rosto.

-- Que ela me pegava. Me prendia.

-- Você está com medo...

-- Não est...

-- Nem adianta negar, Anita! Nunca te vi assim e no fundo você sabe que está sim!

Continuei lá, parada, olhando os prédios a minha frente. Preferi, depois de um tempo, mudar o rumo da conversa. Eu não queria pensar em Lícia Riley agora. Eu sentia coisas estranhas em relação a ela, ainda muito confusas aqui dentro e eu não gostava de nada que eu não conhecesse bem ou pudesse explicar.

-- Tenho uma conversa marcada com o diretor do hospital onde meu pai trabalhou amanhã à tarde.

-- Quer que eu vá com você?

-- Não. Obrigada.

Ele calou e consentiu. Acho que ele sabia que eu precisava fazer isso sozinha. Eu não queria sujar o nome dele com a máfia. Ele tinha muito a perder. Mandy, sua futura esposa, e mamãe. Eu não tinha nada.

-- Então por que você não senta aqui, come comigo, me conta o que mais você descobriu sobre a máfia e depois vamos juntos dar umas voltas?

-- Dar umas voltas? – Disse me virando para ele e sorrindo.

-- É... Quero levar Mandy para jantar hoje em casa. Com você, mamãe e meu pai.

-- Vai pedi-la em casamento? Finalmente?

-- Boba! Eu já pedi!

Abracei meu irmão lhe desejando toda a felicidade do mundo. Sentei, comi e lhe contei todos os detalhes que pude sobre o caso todo. Por hora, deixei meus sonhos estranhos e medos de lado. Com muita precisão, analisei todas as informações e John me abriu os olhos sobre alguns detalhes que haviam passado despercebido por mim. Naquele momento, me transformei em Mist, sem sentimentos, sem medo e sem desejos. Passei a tarde toda assim, tão focada em meu personagem que mal me lembrei de mim mesma.

Mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto eu tomava banho, deixei a água retirar a máscara pesada da Mist que eu sempre carregava e voltei a ser Anita Jensen, para celebrar junto com minha ‘‘família’’ aquele momento tão especial para o meu irmão.



Lícia

Eu estava na cozinha, olhando para o relógio, esperando minha mãe se arrumar. Nós iríamos ao médico.

Eu estava perdida e desesperada. Eu não sabia como encontrar Mist, e não estava nem um pouco mais perto de descobrir algo sobre. O tempo estava passando, minha mãe ficando cada dia mais doente, meu pai não havia me procurado e eu não tinha a mínima ideia de como conseguir encontrar aquela mulher. Assim que minha mãe e eu entramos no carro, seguimos conversando amenidades o caminho todo. Sobre novela ou sobre a vizinhança.

Assim que chegamos ao consultório, não demorou muito para sermos atendidas.

-- Olá, doutor.

-- Olá! Como vai Sra. Maria?

-- Bem, doutor... Bem.

Tive que interromper esse papo agradável.

-- Não está bem não! Ela passou mal ontem a noite de novo e só Deus sabe quantas vezes ela passa mal quando estou fora trabalhando.

Ele olhou para mim com toda paciência do mundo antes de dizer:

-- O câncer da sua mãe está em um estado muito avançado. Normal que ela passe mal assim. Infelizmente temos que ser rápidos.

-- OK e como podemos ser rápidos?

-- Quimioterapia.

Ele foi direto. Talvez direto demais. Para ele parecia uma palavra tão normal, mas não para mim. Virei de lado e encarei bem o rosto da minha mãe. Pela sua expressão de medo, para ela também não era.

- Quimioterapia? – falamos eu e minha mãe juntas. Ele assentiu com a cabeça.

-- Vou marcar sua primeira sessão para semana que vem, Sra. Maria.

-- Muito obrigada, doutor.

Disse minha mãe de cabeça baixa. Ela estava com medo. Eu também estava. Mas vê-la daquele modo estava me cortando coração. Ela parecia tão vulnerável e frágil. Ela continuou de cabeça baixa, cruzando as mãos em cima do colo.

-- Mãe, posso falar com o doutor rapidinho? A sós?

-- Claro. Muito obrigada doutor. Estarei aqui quando marcarem a quimioterapia.

Ele lhe deu um aperto de mão e eu fiquei esperando ela fechar a porta. Eu seria direta, como sempre fui, mas ele foi mais rápido.

-- Então, você conseguiu falar com aquele doador?

-- Sim.

-- E...?

-- Ele está pedindo quinhentos mil dólares.

O doutor arregalou os olhos.

-- Uau! – Ele passou a mão na boca e depois nos cabelos meio ruivos com tons grisalhos devido a idade. – É muito dinheiro. As pessoas hoje em dia são um lixo mesmo, não são? Você tem essa grana?

-- Não!

-- Sabe como conseguir? – Ele rebateu.

-- Mais ou menos... – Eu me remexi na cadeira.

-- Mais ou menos? – Ele ergueu uma sobrancelha. – Como assim mais ou menos?

-- Sou detetive. Estou tentando encontrar uma ladra para conseguir a recompensa.

-- A vida da sua mãe depende em você pegar uma ladra?

-- Sim.

-- E você está quase a pegando? Certo?

-- Na verdade, não. – Eu estava envergonhada.

-- Posso saber que ladra é essa?

-- Hm... Mist. Não sei se o senhor ouviu falar.

-- Claro que já! Você é louca! Melhor preparar o caixão para sua mãe...

-- Ei! Eu vou pegá-la, OK?

Levantei da cadeira e fui rumo à porta. Eu não precisava ouvir desaforos.

-- Boa sorte então. Torço muito pela sua mãe.

-- É... – Disse já com a porta aberta. – Muito obrigada, doutor George.



Anita

O céu já começava a ficar mais escuro, indicando que o anoitecer não tardaria. Vesti uma roupa e me preparei para ir ao hospital central. Desde que não consegui seguir Lícia por estar a pé, nunca mais saí de casa sem carro. Eu estava muito mais esperta e atenta dessa vez. O hospital não era longe, então não levou muito tempo para que eu estacionasse em uma vaga próximo ao edifício. Ele era alto, branco com listras verdes, típica pintura de centros de saúde. Entrei e fui vasculhando pelos corredores tentando encontrar a sala do diretor. Eu odiava hospitais. O cheiro, as cores, os choros e pior ainda, as lamúrias. Perguntei para uma enfermeira baixinha, de idade, onde era a sala do diretor Frank. Ela me deu as instruções e rapidamente cheguei a uma sala, no final do corredor. Respirei fundo e bati na porta. Escutei movimentações lá dentro e logo depois uma voz:

-- Pode entrar.

Abri a porta lentamente e espiei para dentro. Era uma sala simples, com vários livros espalhados em uma estante, uma mesa de madeira escura, algumas fotografias de uma menina e uma mulher sorrindo e, sentado na mesa, estava Frank. Cabelos muito brancos, moreno, peso mediano e uma expressão que mesclava cansaço e bondade.

-- Olá, doutor.

-- Olá, Anita.

Ele disse isso como se já me conhecesse há muito tempo. Se levantou e me deu um pequeno abraço. Aquilo me pegou de surpresa e acho que ele percebeu.

-- Você não se lembra de mim, não é? Seu pai era um dos meus melhores médicos. Fui ao casamento dele e também visitei vocês várias vezes quando você ainda era bem pequena.

-- Ah sim...

Eu não tinha o que dizer. Endureci minha postura, algo que eu sempre fazia quando ficava desconcertada. Preferi ir direto ao assunto. Ele se sentou em sua cadeira e eu em uma poltrona posicionada à sua frente.

-- Doutor...

-- Me chame de Frank, por favor.

-- Claro. Frank... Estou buscando algumas informações sobre meus pais e pensei que o seu antigo local de trabalho pudesse me ajudar em algo.

-- Entendo... – Sua expressão ficou séria. – Que tipo de informações você busca?

-- Quero saber que tipo de homem meu pai foi e porque morreu de forma tão trágica.
Ele arregalou os olhos. Eu sei que estava sendo direta demais, mas não havia outro jeito de fazer aquilo. Se eu fosse sentimental, já teria parado minhas buscas antes mesmo de começar.
-- Seu pai foi um ótimo homem...

-- OK. Mas não entendo o porquê de sua morte...

-- Nem eu. Sinto muito não poder ajudar. Apesar de conversar bastante, éramos, na maioria do tempo, apenas colegas de trabalho. Nunca fomos realmente íntimos.

-- Ah sim... – Continuei firme como uma rocha, mas por dentro, eu estava desmoronando. Eu jurava que conseguiria alguma informação com aquele homem.

-- Sabe... Poucas horas antes de seu pai morrer, ele me deixou um recado na secretária, informando que precisava falar comigo urgente. Ele parecia exaltado... – O olhar de Frank ficou longe.

-- E o que ele queria? – Perguntei ansiosa.

-- Nunca cheguei a saber. Eu não estava na cidade naquele momento. Ele só falava que era urgente.

-- O senhor tem a gravação ainda?

-- Bom, a polícia veio aqui, deu uma investigada e levou a fita. Deve estar no arquivo de provas.

-- Um arquivo parado há muito tempo...

-- Eu sinto muito. – Ele suspirou. Levantei da cadeira, arrumei meu casaco no corpo e caminhei rumo a porta.

-- Obrigada pelo tempo, Frank.

-- Desculpa não poder ajudar mais, Anita. Mas sabe... O melhor amigo do seu pai ainda trabalha aqui. Na oncologia. Não sei se você se lembra dele... George.

-- O ruivo?

-- Sim. – Ele deu um sorriso. – Pelo jeito você se lembra. Quer falar com ele?

-- Adoraria. – Meu coração desanimado voltou a bater acelerado.

-- É no andar debaixo. Fácil de achar. Ele deve estar lá agora.

E sem esperar mais, agradeci rapidamente e sai correndo rumo às escadas.

Assim que percorri aqueles corredores gelados e fantasmagóricos, li uma placa escrita ‘‘oncologia’’. Era ali mesmo. Perguntei a recepcionista onde eu poderia encontrar o doutor George, e ela logo me indicou que era na terceira porta a direta. Perguntei se ele estava com paciente e ela negou. Agradeci e decidi ir rumo a sua sala. Mas assim que dei o primeiro passo, a porta se abriu e de lá saiu o homem ruivo com mechas grisalhas e de aparência cansada.  Ele estacou no meio do corredor e me encarou, em seus olhos eu pude ver surpresa e medo. Aquilo não era normal. Dava para sentir que aquela reação fora exagerada. Ele escondia algo. Ele desviou os olhos dos meus e perguntou a secretária sem se mover do lugar.

-- Barbara, quero os exames da Sr. Riley que acabou de sair da minha sala, o mais rápido possível, OK? E tente marcar a quimioterapia dela para semana que vem. O mais urgente possível.

-- Claro, Sr.

Senti o ar sumindo dos meus pulmões. ‘‘Riley? ’’ Será que Lícia estava ali?

Dei uma olhada em volta de todo o espaço, mas não havia ninguém. Balancei a cabeça tentando focar meus pensamentos. Por hora, eu tinha coisas mais importantes para me preocupar do que com aquela detetive barata. Ele me encarou mais uma vez e, meio que correndo, entrou novamente em sua sala. Fechei minha expressão e caminhei a passos firmes em sua direção. Não bati na porta ou anunciei minha chegada, apenas torci a maçaneta e entrei no local.

-- Olá, George.

Ele estava de em pé, de costas, com a cabeça baixa e com as mãos apoiadas na mesa. Senti o momento exato em que ele ficou tenso e enrijeceu os músculos. Com uma passada de mãos pelos cabelos, ele se virou para mim e tentou dar um sorriso, sem sucesso.

-- Anita...

Apenas assenti e fechei a porta com força atrás de mim.

-- Tudo bem, George?

-- Tudo e você? – Ignorei sua pergunta.

-- Você sumiu... Vivia em casa. Nunca mais te vi.

-- Ah... Tempos difíceis.

-- É... Realmente. Como anda sua família?

-- Bem, graças a Deus. – Ele tentou se recompor e sentou em sua cadeira. – Você está doente? Precisa de algo?

-- Não estou doente. – Disse pausadamente. – Mas preciso de algo.

-- Fala...

Decidi, por agora, bancar a mulher frágil, sofredora e ainda traumatizada pelo assassinato dos pais. Mudei minha postura, abaixei um pouco meus ombros e fiz cara de triste.

-- Sabe... Desde que meus pais morreram eu me sinto triste e perdida...

Ele arregalou os olhos, limpou a garganta e disse:

-- Eu entendo. Mas em que posso ajudá-la?

-- Queria saber se você sabe algo sobre meus pais... Algum motivo que me conforte, sobre o porquê deles terem morrido daquele jeito.

Ele ficou nervoso. Tão nervoso que o lápis em sua mão quebrou. Seus olhos estavam arregalados e eu pude sentir sua respiração ficar acelerada. Se não tivesse uma mesa entre nós, tenho quase certeza de que eu poderia ouvir seu coração batendo forte. Ele sabia de algo. Era um fato.

-- Não... Não sei de nada.

Disse ele tentando limpar os pedaços de ponta de lápis espalhados pela mesa. Ele tremia, suas mãos denunciavam isso.

-- Entendo.

Se ele não cooperasse por bem agora, Mist o faria cooperar de algum jeito maléfico mais tarde.
-- Desculpe. Eu queria poder confortar você, mas não posso.

O encarei profundamente e me aproximei ainda mais, debruçando sobre a mesa.

-- Tem certeza que não sabe de nada? Meu pai não te falou nada? Se ele estava envolvido com pessoas perigosas... Nada?

Ele aumentou o tom de voz.

-- Não. E me desculpe, Anita, mas tenho pacientes para atender.

Suspirei e abaixei a cabeça. OK, ele tinha pedido por aquilo. Levantei da cadeira e caminhei até a porta.

-- Obrigada, George. E desculpe pelo incomodo. Até mais.

E sai antes que ele pudesse me responder alguma coisa.

Ele decidiu não cooperar por bem. OK. Eu não queria aquilo, ou na verdade, queria. Estava com saudade do perigo. Minha adrenalina estava acumulada. Estava na hora de Mist entrar em ação e, principalmente, era hora de conseguir a verdade. Não importava o preço que custasse. Sorrindo e ansiosa, apressei o passo, animada em me preparar para aquela noite.






Cap. 7                                                                                                                                          Cap. 9





3 comentários:

  1. CADE VOCÊ!? VOLTA LOGOOOO

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  2. Me lembro de você no abcles.
    Me lembro de esperar a semana toda por um capítulo kkk sua escrita e perfeita.
    Se fizesse um livro pode ter certeza que compraria

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