2015
Lícia.
Um cachorro vagava pelas ruas frias e solitárias de Londres. Fora isso
tudo ao meu redor estava praticamente deserto. Observando o pelo bem tratado do
cão, cheguei à conclusão que ele deveria estar perdido. Imaginei se a família
estaria desesperada a procura de um cachorro tão bem cuidado e bonito. Será que
pagariam uma boa recompensa? Uma que desse, pelo menos, para abastecer meu
tanque? Olhei o painel do carro, a gasolina já estava na reserva. ‘‘Droga!’’ Eu
já estava rodando por aí a noite toda. Cocei os olhos cansados e espreguicei o
meu corpo que já estava todo dolorido por estar a horas na mesma posição. Será
que aquilo levaria muito mais tempo? Calculei que talvez não fosse assim tão
difícil encontrar a família do cão, eu poderia rodar a região assim que
amanhecesse em busca de algum cartaz, daria um telefonema e pronto! Levaria uma
grana fácil. Minha bunda chegou a coçar no banco na vontade de ir atrás do
cachorro, mas meus olhos perceberam um movimento por trás das cortinas do hotel
barato em que meu ‘‘suspeito’’ se encontrava.
-- Droga! Foda-se o cachorro. -- Peguei a câmera fotográfica e me
preparei para conseguir as fotos de ouro. -- Vamos lá, garanhão. Saia logo daí
que eu não tenho a noite toda.
Sim, eu conversava sozinha. Fiquei observando os vultos através da
janela e imaginei o que eles tanto faziam depois de mais de três horas lá
dentro. Era muito tempo para um sexo casual.
Eu estava morta de fome. Não pensei que uma transa fosse demorar tanto
assim. Mirei o sanduíche de presunto preparado com todo carinho na noite
anterior pela minha mãe, que acreditava, plenamente, que sua filha era uma
taxista. ‘‘Pobre mamãe.’’ Mas eu não mentia por mal. Eu nunca conseguiria
sustentar uma casa sozinha apenas com o dinheiro de um táxi, não havia dúvidas
quanto a isso. Eu costumava ser uma policial das boas, mas desde cedo dentro da
DP você entende que quem manda é o sistema, é o sistema é sujo! Aquilo não era
para mim.
Dei uma mordida no sanduíche e graças a Deus, eu já havia comido coisas
piores. Não tirei os olhos do hotel em nenhum momento, e, infelizmente, o
cachorro que valia um tanque inteiro já havia sumido. Senti algo estranho e
incomodo no meio dos meus dentes da frente. Rasguei o saquinho que estava
enrolado o pão para tirar um pedacinho de alface presa quando a luz do quarto
que eu vigiava se apagou. Era hora de ficar alerta! Peguei a câmera novamente. Minhas
lentes já estavam posicionadas, eu conseguia ver até os cabelinhos do nariz do
porteiro parado em frente ao hotel. Vi o meu homem. Cabelos pretos, levemente
grisalhos, saindo com uma mulher enlaçada em seu braço. Pareciam quentinhos em
seus casacos caros, enquanto eu quase morria congelada com minha jaqueta de
couro fria demais.
Um clique, dois, três, vários. O homem colocou sua amante dentro de um
táxi e se despediu com um pequeno beijo nos lábios. Ele mal sabia que sua
recepção em casa não seria tão calorosa quanto aquela despedida. Pluguei a
câmera do meu notebook e descarreguei as fotos. Peguei meu celular e disquei o
último numero na discagem rápida.
-- Alô, senhora Peabody?
-- Sim.
Eu seria direta e rápida, não gostava de delongas com meus clientes. Eu
não tinha nada a ver com suas mentiras ou verdades. O que me importava era o
meu dinheiro.
-- É a Riley, sinto muito lhe incomodar nesse horário, senhora, mas eu
consegui as fotos e as noticias não são boas.
-- Tudo bem, eu já estava esperando sua ligação.
-- Vou mandá-las para o seu email.
-- OK.
Cliquei no botão ‘‘enviar’’ e permaneci silenciosa do outro lado da
linha. Escutei calada o soluço abafado da senhora Peabody. Suspirei. Malditos
homens, sempre uns canalhas!
-- Sinto muito.
Eu tentava não me envolver, mas era difícil não se compadecer com tais
situações.
-- Tudo bem, Riley. Vou fazer a transferência do restante do dinheiro em
sua conta nesse momento. Você me confirma se caiu?
-- Claro.
Outros longos segundos de espera enquanto a mulher, ainda tentando
manter a respiração firme, mexia no teclado.
-- Pronto.
Conferi minha conta. A transferência estava completa.
-- Obrigada, senhora. Adeus.
E desliguei rapidamente o telefone. Prefiro deixar minhas clientes
absortas em seus próprios pensamentos e dores. Não havia mais nada que eu
pudesse fazer a não ser torcer para que ela desse uma boa lição no filho da
mãe.
Deitei no banco e suspirei pesado. Mais um trabalho completo, mas eu
ainda não estava sossegada. Aquela maldita alface ainda me incomodava. Passei o
plástico por entre os dentes e pronto. Agora sim eu estava satisfeita.
Pensei em ligar o carro e ir embora, mas embora para onde? Para casa? Ainda
faltavam algumas horas para ‘‘o fim do meu turno’’ no ponto de táxi. Liguei o
carro e decidi procurar por um posto de gasolina.
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