Um conto romântico sem romance

  
  Lá estava ela, despojada, como sempre tão capaz de fazer qualquer um sorrir. Eu a observava meio que de longe, mas eu podia ver o que eles não viam.

-- Você é uma mentira! Das grandes. Mente tão bem aos outros que quase consegue enganar a si mesma.

    Sua farsa era fazer com que todos acreditassem que ela era aquilo o que ela desejava ser, mas ela não era. Até fora um dia.

Já havia se passado um ano desde a su... Morte.

    Com suas palavras era capaz de fazer qualquer um acreditar em contos de fadas, mas o castelo encantado desenhado a giz nas paredes desbotadas da sua casa permanecia apagado. Ela era boa com o mundo, mas tinha certa dificuldade em ser consigo mesma. 

-- Você alimenta os sonhos dos outros com suas palavras, mas se tornou incapaz de sonhar.

    Eu a acuso, mas ela finge que não se importa. Continua lá, esbanjando autenticidade, como se aquilo maquiasse bem o seu desespero.

    Ela soa tão autosuficiente que talvez possa causar inveja, mas mal sabiam que ela era quem sentia inveja deles. Ela talvez até não precisasse mesmo de ninguém para se sentir completa, mas sentia, desesperadamente, falta de si mesma.

-- Você não é mais capaz de sentir.

Ela balança a cabeça.


   Quase nunca estava plenamente feliz, pois havia se tornado intima da apatia.

-- Tão intima que eu quase posso confundi-la com tristeza.

    Queria voar de novo, se sentir no céu, e até sentia falta das viagens rápidas ao inferno. Mas seus pés foram enterrados na terra dura, e a poeira havia apagado o brilho dos seus olhos.

    Com o tempo não conseguia mais dominar nem mesmo suas palavras, elas se tornaram tão frias quanto os seus dias.

-- Eu não acredito mais naquilo que esperam que eu escreva.

Permanecemos em silêncio por um bom tempo.

-- Porque você está segurando esse giz?

    Ela aponta com a cabeça a parede desenhada atrás de nós. Sim, o castelo encantado permanecia apagado, mas ela não queria mais viver assim! Precisava desmitificar a ideia de que o amor era apenas um jogo de interesse.

-- Eu nasci acreditando no ‘‘Para sempre’’, mas essas cicatrizes deixaram essa sensação amarga de que ele só é eterno enquanto é vantajoso. Eu sei que tudo é eterno enquanto dura, mas ultimamente nada dura o suficiente pra se tornar eterno aqui dentro. Pelo menos não de uma forma boa.

    Na janela, sentindo a brisa também passageira, ela se perguntava se tudo já se iniciava fadado ao fim. ‘‘Seria o amor apenas uma permuta temporária? ’’

-- Isso, por acaso, foi uma pergunta retórica? – Eu não me importo que ela saiba que eu posso ler seus pensamentos.

-- Os interesses mudam -- ela murmura deixando o giz cair quase que propositalmente.  – Odeio pensar isso, mas... Aparentemente, no fim, todos nós nos tornamos o brinquedo velho nas mãos de um novo alguém.

– Talvez. – Eu respondo pegando o giz do chão e entregando-o mais uma vez a ela. – Mas eu sei que você não quer ser a pessoa amargurada, assim como todos os outros lá fora, que acredita nisso.

Eu pude observar em seus olhos o desejo de pegar aquele giz e reviver todos os seus desenhos, mas ela não conseguiu. Não foi capaz de rabiscar por cima do sol amarelo, agora meio acinzentado. No lugar dos corações flutuantes que pendiam em cima da cabeça de uma menina magricela, meio desengonçada, que eu desconfiava ser o seu auto-retrato, ela sobrescreveu em letras fortes e grandes:


Medo. É o medo de que apaguem mais uma vez os seus desenhos que faz com que as pessoas se tornem assim, apagadas. 

-- Porque você não o apaga de vez então? 

Mas eu sabia a resposta e você também sabe.  Apesar de tudo ela não queria esquecer, pois o que a alimentava era o desejo de voltar a ser quem fora um dia. 

E quem podia julgá-la? É isso que nos mantem. O sonho de viver sem medo.


Jessy Mendes

0 comentários:

Postar um comentário